Capítulo IV Características Humanas e Sócio-económicas dos Consumidores de Drogas

 

Secção I: Características Individuais

 

(A)      Tendência do Pedido de Apoio e Distribuição Etária e Sexual

 

Nesta secção, através da análise dos dados sobre os casos velhos e novos de pedido de apoio e da estrutura etária dos utentes, vamos julgar a tendência de desenvolvimento do trabalho de combate à droga, e a estrutura etária dos novos adquirentes do vício de se drogar e dos que contactaram pela primeira vez com as instituições de desintoxicação, de modo a que o resultado desta análise possa servir de referência para a elaboração de novas medidas políticas referentes à prevenção e tratamento da toxicodependência.

 

Devido à limitação das fontes de dados, era difícil obter os dados completos de Macau. Felizmente, após o regresso de Macau à Pátria em Dezembro de 1999, o Departamento de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência do IAS tem ordenado os dados longamente acumulados, que podem reflectir em determinada medida a situação real a este respeito dos últimos anos. Por outro lado, antes de ingressar nos lares para se submeter a tratamento, todos os toxicodependentes que se ofereceram para abster-se do vício submeteram-se ao serviço de exame físico ou de tratamento médico da Consulta Externa do Governo, razão por que podemos obter aqui os seus dados sistemáticos. Entretanto, aprendendo as experiências do "Arquivo Central de Dados sobre o Abuso de Drogas" da Divisão contra os Narcóticos de Hong Kong (Narcotics Division, Hong Kong), Macau também criou o "Sistema Estatístico Central dos Consumidores de Drogas", que já começou a funcionar. Por isso, a análise da Divisão de Tratamento e Reinserção Social sobre os dados de 2000 e de 2001 pode desempenhar o papel orientador.

 

(1)           Tendência de aumento e redução dos casos novos e dos que pediram novo apoio de desintoxicação

Segundo os dados da Divisão de Tratamento e Reinserção do Departamento de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, desde Outubro de 1991 até ao fim de 2001, foi registado um total de 724 casos de pedido de apoio acumulados; entre 1991 e 1994, o número dos casos novos de pedido de apoio aumentou sem cessar, chegando ao ponto mais alto (referindo-se a 118 pessoas). Desde 1995 até hoje, tem vindo a apresentar uma tendência de baixa contínua e estável8 .

 

Quanto ao número dos casos de pedido de novo apoio registados, desde 1991 até 1998, aumentou ininterruptamente, atingindo neste ano 58,6% a sua percentagem ocupada no total dos casos de pedido de apoio. E esta tendência de aumento se manteve em mais de 50% até aos anos de 2000 e 2001, o que reflecte a generalidade da recaída após a abstinência do vício.

 

 

 

 

 

 

Mapa 9  Tendência de evolução dos casos novos/acumulados registados pela Divisão de Tratamento e Reinserção Social (1991-2001)

 

Mapa 10  Tendência de aumento dos casos que pediram apoio novamente (1991-2000)

 

Situação de Hong Kong: Segundo os dados numéricos publicados em 2001 pelo Arquivo Central de Dados sobre o Abuso de Drogas, "Entre 1995 e 1999, o número dos consumidores de drogas apresentados reduziu bastante, mas esta tendência mudou em 2000: O número estatístico em 2001 aumentou 0,3% em relação a 2000; sobretudo, o número apresentado pela primeira vez em 2001 aumentou 2,9% em relação a 2000. Entretanto, desde 1997, o número dos consumidores de drogas que voltaram a ser apresentados reduziu sem cessar e até 2001 este número reduziu 0,8% em relação a 2000. "9.

 

Os dados acima mencionados mostram que em Hong Kong, tanto o número dos casos novos como o dos que pediram apoio novamente se mantiveram estáveis, possivelmente porque já foi nos anos 60 do último século que em Hong Kong se tinha iniciado o trabalho de combate à droga, que já tem uma história de mais de 40 anos até hoje. Quanto à situação a este respeito em Macau, conforme os dados sobre os casos de pedido de apoio, o número dos que pediram apoio pela primeira vez apresentou uma tendência de redução, o que mostra que o trabalho preventivo contra a droga tem alcançado certo sucesso. Outro motivo da redução dos casos novos era talvez que nos últimos anos as substâncias psicotrópicas se têm propagado em Macau e a maioria dos jovens consumidores destas substâncias ainda não têm conhecido seus prejuízos e, por isso, não têm pedido o apoio de tratamento. Quanto ao problema de aumento estável do numero dos que voltaram a pedir apoio de tratamento, isto mostra que cada vez mais pessoas que recaíram no vício de abuso de drogas estão dispostos a enfrentar a consequência do fracasso e pedir novamente o apoio das instituições de desintoxicação. Daqui vê-se quão importante é o trabalho de acompanhamento e prevenção da recaída dos reabilitados. Além disso, é possível que a fim de manter a sua fama, algumas instituições de desintoxicação voluntária não informaram ou não informaram oportunamente do número dos que voltaram a abusar de drogas ou que pediram novamente o seu apoio de tratamento por internamento no lar, o que reflecte que estas instituições falta de compreensão sobre a natureza macroscópica da saúde pública.

 

(2)   Tendência etária dos toxicodependentes sob tratamento

Os dados mostram que entre 1991 e 1998 a maioria dos consumidores de drogas, tanto do sexo masculino como do sexo feminino, tinham 24 a 25 anos de idade10, ocupando 62% do total. Mas, entre 1998 e 2000, o número dos pedintes de apoio que tinham 35 ou mais anos de idade aumentou sem parar e até 2001 a sua percentagem atingiu 75%, facto correspondente ao fenómeno de o número dos casos que pediram apoio novamente ter aumentado sem cessar. Quanto a esta situação em Hong Kong, entre 1995 e 2001, a idade média dos consumidores de drogas registados só aumentou de 32,4 a 32,5 anos11. Segundo o presente inquérito aos 108 toxicodependentes sob tratamento, a sua idade média em 2001 era de 37,4 anos, correspondendo à tendência global. Resumindo o que foi em cima referido e tomando como referência o resultado da investigação internacional, vemos que a maioria dos toxicodependentes que recebiam o serviço de tratamento tinham entre 20 a 34 anos de idade (constituindo 70,5%), facto que mostra que os consumidores de drogas desta faixa etária já começaram a desgostar da vida de consumo de drogas e decidiram pedir o apoio para tratamento. A investigação ainda mostra que em geral, 4 a 5 anos após a aquisição do vício começam a ter iniciativa de se absterem do vício. Esta característica  diz-nos que no trabalho de prevenção do terceira etapa, é necessário estimular as pessoas que começaram a consumir de drogas a pedirem, o mais cedo possível, o apoio de tratamento, e reforçar o trabalho de acompanhamento consequente dos reabilitados, prevenção da sua recaída e redução dos danos provocados pelo consumo longo de drogas.

 

(3)   Idade das pessoas que abusaram de drogas pela primeira vez

A investigação da idade dos novos consumidores de drogas reveste-se de grande importância para os trabalhadores de educação preventiva, podendo ajudar os executores de medidas políticas a determinarem o alvo da divulgação de informações sobre o combate à droga e a incluírem os conhecimentos sobre os flagelos da droga em materiais didácticos. De acordo com os dados de avaliação antes do regresso de Macau à Pátria (1991-1998), a maioria dos consumidores de drogas eram do sexo masculino e a idade dos consumidores tanto do sexo masculino como do sexo feminino oscila entre 24 e 25 anos12. Conforme o Relatório da Luta contra a Droga de 2001 em Macau, a idade das pessoas que consumiram de drogas pela primeira vez não apresentou a tendência de baixa, mas a idade média dos consumidores de drogas subiu de 17,9 anos em 1991 para cerca de 25 anos em 2001. Quanto a esta situação em Hong Kong, segundo estatísticas, entre os que consumiram drogas pela primeira vez, 67,6% tinham idades compreendidos entre 15 e 24 anos.

 

Mapa 11  Idades dos 108 inquiridos quando consumiram drogas pela primeira vez

Anos de idade

N.º = 108

%

16-18

19-21

22-24

25 ou mais

0

5

6

97

0

4,6

5,6

90

 

Este mapa mostra que 25 ou mais anos são as idades mais delicadas quando a maioria dos consumidores de drogas podem adquirir o vício mais facilmente. Mas, segundo a lei da aquisição do vício, 2 a 3 anos antes de ter adquirido o vício, a maioria dos toxicodependentes já começara a contactar com drogas. Por isso, o trabalho preventivo deve ser realizado o mais cedo possível entre os novos consumidores de drogas, de modo a reduzir os prejuízos da droga. O estudioso internacionalmente famoso, Chien, investigou em 1964 a relação entre os motivos conducentes à aquisição do vício e a idade em que se  começava o consumo de drogas, descobrindo que a maioria dos jovens que começaram a drogar-se tinham por objectivo procurar a satisfação de órgãos sensitivos e a maioria dos velhos que começaram a abusar de drogas tinham por objectivo matar a angústia e adormecer, de modo a fugir da realidade desagradável. Além disso, há investigadores que se dedicam ao estudo da relação com a idade em que se começa o consumo de drogas e a duração da história da imersão cada vez mais profunda no consumo de drogas, mas este problema não se inclui na presente investigação.

 

(4)           Percentagens dos consumidores de drogas do sexo masculino e do feminino

Devido à limitação actual das instalações de tratamento de consumidoras de drogas e dos canais por que os inquiridores contactam com elas, era bastante difícil recolher os dados completos a este respeito. Perante esta situação, tivemos que avaliar apenas segundo os dados da Consulta Externa sobre os casos de pedido de apoio e os dados numéricos sobre os reclusos toxicodependentes tanto do sexo masculino como do feminino. Por uma parte, tivemos dificuldade no contacto com as consumidoras que trabalhavam nos estabelecimentos de jogos e diversão, sobretudo das consumidoras de drogas não residentes que trabalhavam nestes lugares; por outra parte, a única instituição de tratamento por internamento no lar criada para toxicodependentes do sexo feminino (Desafio Jovem - Secção Feminina) faltava os registos completos. Todos estes motivos têm tornado incompleta a nossa avaliação. Segundo os dados numéricos de 2001 da Consulta Externa, entre os 662 casos registados, a percentagem dos de sexo masculino e a dos de sexo feminino constituem respectivamente 85% e 15%. No aspecto do julgamento judiciário, entre os 116 criminosos envolvidos no consumo de drogas detidos de Abril de 2001 até a Março de 2002, os do sexo masculino ocupam 81% e os do sexo feminino, 19%; entre os 108 inquiridos toxicodependentes sob tratamento ( incluindo os internados no lar e os atendidos na Consulta Externa), os do sexo masculino ocupam 84% e os do sexo feminino, 15,7%. Resumindo todos os dados acima mencionados, podemos ver que entre os consumidores de drogas, a proposição entre os sexos masculino e feminino é mais ou menos 4,9:1. Ainda é de notar que a tendência de aproximação gradual entre a percentagem do sexo masculino e a do sexo feminino já tem sido confirmada e esta característica é especialmente evidente entre os consumidores de "Party-drugs".

 

(B) Lugares de Nascimento dos Consumidores de Drogas

 

Muitos estudiosos internacionais dedicam-se à investigação do problema de consumo de drogas por parte das comunidades minoritárias residentes em cidades grandes, considerando que o seu consumo de drogas tem certa relação com a mudança da sua cultura, plano de fundo e situação familiar. Através da investigação do problema relativo ao consumo de drogas por parte de uma comunidade minoritária norte-americana de Charleston, realizada em 1970, Kaplan e Meyesowitz descobriram que nos bairros de lata nas cidades grandes se concentravam numerosos consumidores de drogas. Através da análise da relação entre a causa e o efeito, realizada em 1966, Vaillant considerava que estas minorias tinham geralmente a concepção do valor de se desprezarem a si mesmas e o pessimismo sobre a sua perspectiva futura; a pobreza económica e a inferioridade da posição social fazem com que a geração jovem se torne jovens com problemas; a imigração em cidades grandes traz muitos problemas relativos à adaptação social e causa maior pressão espiritual, ¡X todas estas causas conduzem ao aumento das oportunidades para consumirem drogas.

Segundo estatísticas realizadas em Macau em 2001, relativas aos lugares dos residentes, 47,4% dos residentes de Macau nasceram no interior da China e 43,9%, em Macau, sendo aproximadas estas duas percentagens13. Nos últimos 20 anos posteriores a 1981, mais de 40 mil habitantes do interior da China imigraram para Macau por vias legais ou ilegais, razão por que o número acumulado dos imigrantes do interior da China tem aumentado gradualmente14.

 

Quanto aos lugares de nascimento dos consumidores de drogas, verificaram-se mudanças consideráveis entre 1991 e 2001. Conforme estatísticas do então GPTT e da Divisão de Tratamento e Reinserção Social, relativos aos dados de 1991 a 1997, a maioria dos consumidores de drogas nasceram em Macau, seguindo-se-lhes os imigrantes do interior da China. Mas, entre os casos de pedido de apoio registados nos últimos anos posteriores a 1997, a maioria dos utentes nasceram no interior da China, apresentando mesmo a tendência de subida a sua percentagem que, por exemplo, subiu de 40% de 1997 para 62% de 200115 .

 

Mapa 12  Percentagens dos lugares de nascimento dos consumidores de drogas (1997-2001)

Lugar de nascimento/mudança das percentagens nos diversos anos

1997 (%)

1998 (%)

1999 (%)

2000 (%)

2001 (%)

Macau

43

25

37

32

37

Interior da China

40

68

50

58

62

Portugal

10

8

0,5

2

0,4

Hong Kong

1

0,5

5

0,5

1

Outros

7

3

10

10,5

1

Entre os 108 inquiridos toxicodependentes sob tratamento, cerca de 14,8% revelaram que adquiriram pela primeira vez o vício no interior da China; 71,3% em Macau e 13% em Hong Kong.

 

Mapa 13  Comparação dos lugares de nascimento dos 108 inquiridos do sexo masculino e do feminino

 

Sexo masculino (n.º = 91)

Sexo feminino (n.º = 17)

Total

Nasceram em Macau

59%

41%

55%

Nasceram fora de Macau

43%

59%

45%

 

Este mapa mostra que nos últimos anos, em Macau, a maioria das consumidoras de drogas, chegando a 59% do total, são imigrantes do interior da China. Estes novos imigrantes com o vício de se drogar encontram e provocam diversos problemas na sua vida e trabalho, dos quais se destacam: (1) Têm dificuldades para arranjar de emprego; (2) Têm que enfrentar novos problemas na família e no casamento; (3) São desprezados e faltam canais de comunicação social; (4) Têm que enfrentar problemas relativos ao cuidado e educação de filhos; (5) Têm  muitas dificuldades económicas frequentemente conducentes ao cometimento de crimes; (6) Trazem consigo drogas ao passar pela alfândega, o que conduz ao aumento de encargos do Governo nos aspectos do serviço social, segurança pública e educação.

 

Após o regresso de Macau à Pátria em Dezembro de 1999, a maioria dos residentes nascidos em Portugal deixaram a região. Conforme o resultado do censo de 2001, a percentagem dos residentes de nacionalidade portuguesa no total da população de Macau baixou de 1% de 1991 para 0,9% de 1996, e para 0,4% até 200116. No supracitado mapa sobre a comparação das percentagens dos lugares de nascimento dos consumidores de drogas, podemos ver que o número dos toxicodependentes de nacionalidade portuguesa que pediram o apoio de tratamento só ocupa 1 a 3% do total dos casos de pedido de apoio nos anos indicados. Entre os 108 inquiridos os de nacionalidade portuguesa só ocupa 7,4%, tendo idades compreendidas entre os 40 e 45 anos. Entre os reclusos toxicodependentes que estão a cumprir a pena no Estabelecimento Prisional de Macau, estão mais de dez ex-funcionários públicos, dos quais a maioria é de nacionalidade portuguesa. É pena que os investigadores não tivessem oportunidades para inquiri-los e conhecer o estado de ânimo desta comunidade minoritária. Por motivos políticos sensíveis, não conseguimos conhecer se eles necessitariam do serviço de aconselhamento. De entre os inquiridos de nacionalidade portuguesa, que estavam sob tratamento voluntário da toxicodependência, soubemos que eles estavam a adaptar-se à realidade social de Macau após o seu retorno à Pátria. Eles têm que enfrentar dificuldades, especialmente na procura de emprego; acrescentando-se-lhe que têm idade avançada a relação familiar é má e faltam canais de comunicação social, não é de estranhar que na sua maioria entrem e saem repetidamente de instituições de desintoxicação.

 

 

(C) Características de personalidade e psicológicas

 

Muitos documentos e estudos internacionais demonstram plenamente que depois de um consumidor de drogas ter adquirido o vício, a sua personalidade pode sofrer determinados prejuízos ou desordens. Em 1958, Ausubel descrevia que a personalidade do consumidor de drogas era caracterizada pela passividade, dependência, fuga da realidade e apoio em drogas para ter a alucinação de autoconfiança e competência. Em 1952, Zimmering et al considerava que o consumidor tinha o auto-conceito de inferior, idade sentia horror das coisas ao seu redor, não podia assumir o fracasso, tinha consciência de autodefesa, faltava-lhe iniciativa e manifestações aflitivas ou desabafas de modo infantil e ridículo sentimentos de descontentamento quando encontrava dificuldades. Em 1963, Savitt expunha a partir da relação inter-pessoal os sentimentos de preocupação interior do consumidor de drogas, tais como o terror, desconfiança e irritação, dizendo ainda que em geral os consumidores de drogas tinham dificuldades no estabelecimento e manutenção da relação com outrem. Em 1954, Gerard e Kornetsky, afirmaram através do exame físico aos consumidores de drogas que quando se encontravam num ambiente desconhecido ou com grande pressão, os consumidores de drogas não tinham coragem para enfrentar circunstâncias desfavoráveis aproveitando recursos sociais, mas costumavam fechar-se num espaço estreito e não saíam para participar em actividades exteriores, acrescentando ainda que eles se manifestavam frequentemente lentos em reagir e não se interessavam pelas coisas ao seu redor. No fim de contas, no processo do seu crescimento, eles tinham dificuldades no desenvolvimento de uma personalidade sã.

 

A psicopatologia pode ser considerada outra característica geral de muitos consumidores de drogas. A investigação mostra que cerca de 60% a 70% dos consumidores de drogas, independentemente da sua etnia ou nacionalidade, têm este estado anormal psicológico (Ball & Ross, 1991; Malow et al., 1989). Segundo a investigação (realizada por Joe et al., 1991; Steer et al., 1992), entre os consumidores de drogas com  problemas de desordem psicológico, a maioria sofrem de inibição. Em 1991, Ball & Ross investigou 567 consumidores de Metadona, todos do sexo masculino e a seguir vamos comparar o resultado da sua investigação com o resultado do nosso inquérito, efectuado por questionário, aos 108 toxicodependentes em tratamento.

 

Mapa 14  Comparação do resultado da investigação internacional com o do inquérito realizado em Macau por questionário, aos toxicodependentes em tratamento

 

Ball &Ross (1991)

(N.º = 567)

Inquiridos de Macau

(N.º = 108)

 

Grave inibição

48,3%

40,8%

Grave aflição

51,7%

51,3%

Falta de capacidade para controlar acções violentas

24,9%

31%

Ideia de suicídio

15,3%

25,7%

Tentativa de suicídio

8,5%

20%

Má memória/falta de capacidade para se concentrar

28%

81,4%*

Alucinação

8,6%

55,1%*

Necessidade de tomar medicamentos receitados pelo médico, devido a problemas psíquicos

N.A.

25,7%

*A maioria dos inquiridos de Macau consumiam heroína e Midazolam , podem ter diversos sintomas, dos acima mencionados.

 

O resultado do inquérito realizado em Macau é apenas narrações dos inquiridos, pois não foi efectuado nenhum teste profissional conforme os indicadores dos testes internacionais. Apesar disso, nos aspectos relativos à inibição, aflição e falta de capacidade para controlar acções violentas, o resultado da investigação internacional e o do inquérito de Macau são muito aproximados. Na sua última investigação, Nunes et al. considera que o medicamento anti-inibição pode ajudar a aliviar o abuso de drogas. O resultado do nosso inquérito em Macau mostra que entre os consumidores de drogas existia geralmente  tendência para o suicídio, problema necessário à investigação científica profunda.

 

Mapa 15  Comparação dos problemas psíquicos surgidos entre os inquiridos toxicodependentes em tratamento do sexo masculino e do feminino de Macau

 

Sexo masculino

(n.º = 91)

Sexo feminino

(n.º = 17)

Sofriam grave inibição

45,1%

41,2%

Sofriam grave aflição

56%

53%

Tinham ideia de suicídio

19,8%

47,2%

Tinham dificuldades na concentração da atenção

35,2%

17,6%

Necessitavam de tomar medicamentos recitados pelo médico, devido a problemas psíquicos

24,2%

23,5%

 

Através da investigação de feridas psicológicas causadas pelo consumo de drogas, Rhoads chegou (em 1983) às seguintes conclusões: (i) A capacidade das toxicodependentes para lidar com os problemas sentimentais é mais fraca do que a do sexo masculino; (ii) Em relação ao sexo masculino, o sexo feminino pode receber mais facilmente o serviço social e pode apoiar-se mais facilmente no apoio social para enfrentar a adversidade; (iii) Em relação ao sexo masculino, o sexo feminino sofre inibição mais frequentemente; em relação ao sexo feminino, o sexo masculino é atormentado mais frequentemente pela abstinência. Entre os 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento, 47,2% do sexo masculino tinham a tendência para o suicídio, enquanto só havia 19,8% do sexo feminino com esta tendência; 35,2% do sexo masculino tinham dificuldade no controlo de acções violentas, enquanto só havia 17,6% do sexo feminino com esta dificuldade. A investigação efectuada junto aos grupos de foco também mostra que no que diz respeito à assunção de problemas sentimentais, o sexo feminino é realmente mais fraco do que o sexo masculino. Alguns graves casos de recaída ainda mostra que a recaída de muitas consumidoras de drogas estava estreitamente relacionada com a problemas sentimentais, que também era a causa por que elas abusavam de calmantes ou outras substâncias psicotrópicas.

 

Além disso, os consumidores com imperfeições de personalidade anti-sociais têm que enfrentar frequentemente mais problemas psicológicos sociais, incluindo os relativos ao julgamento jurídico e ao emprego, razão por que o resultado do seu tratamento é evidentemente pior (Woody et al., 1985). Mas, se houver excelentes assistentes sociais que lhes prestem o serviço de acompanhamento, o resultado do seu tratamento será decerto melhor (Gerstley et al., 1989). Este ponto de vista já foi provado pelo resultado de uma série de investigações realizadas desde a década de 60  pela Sociedade para a Ajuda e Reabilitação de Consumidores de Drogas de Hong Kong (Society for the Aid and Rehabilitation of Drug Abusers, Hong Kong) (Ver os Relatórios Anuais da SARDA: 1963-64; 2001-02; Relatórios Anuais da PHSHA: 1967-68; 2000-01).

 

Características de personalidade/psicológicas e projecto do processo

Quanto ao problema sobre as características de personalidade dos consumidores de drogas, desde há longo tempo que existe divergência de opiniões. Por exemplo, Sutker e Allain consideravam em 1988 que todas as opiniões sobre as características de personalidade dos consumidores de drogas (tais como a acção anti-social e o abatimento) têm simplificado e mesmo desfigurado as características psicológicas dos consumidores de drogas. Mas, Nathan considerava (em 1988) que era necessário definir claramente a diferença entre as características psicológicas dos consumidores de drogas e as dos que não consumem drogas, de modo a facilitar o projecto do processo de tratamento e reabilitação. Apesar da existência de muitas discussões, algumas conclusões da investigação também podem servir-nos de referência. Cada vez mais estudiosos intentam estudar e projectar uma série de instruções normalizadas dirigidas contra o consumo de droga. Os sintomas gerais da toxicodependência (drug dependence syndrome17) formulados por Babor Cooney e Lauerman (em 1986) incluem as descrições nos seguintes aspectos:

(a)      Vezes, doses, métodos e motivos de abuso de drogas;

(b)     Grau de efeitos sobre a inteligência exercidos pelo consumo de drogas;

(c)      Efeitos negativos causados pelo abuso de drogas a si mesmos e no ambiente ao seu redor;

(d)     Velocidade de reaparecimento dos sintomas da recaída depois da abstinência do vício.18

 

As normas descritas nos aspectos acima mencionados, aplicadas ao tratamento do consumo de ópio estão adoptadas amplamente. Craig's considerava (em 1982) que era necessário dedicar-se à investigação da necessidade típica e situação de vida dos consumidores de drogas/ toxicodependentes sob tratamento, assim como seus motivos de internamento no hospital/lar e necessidades do serviço de tratamento, de modo a elaborar um processo completo de tratamento dos toxicodependentes. Steer investigou (em 1982) a abstinência do vício por via de consulta externa e o estado psicológico de consumidores de Metadona; com um conjunto de instrumentos de teste (SCL-90-R), descobriu que a maioria dos toxicodependentes cuja abstinência do vício foi através de consulta externa se manifestavam aflitos e a relação inter-pessoal dos consumidores de Metadona era relativamente fácil de ser prejudicada. Por isso, no processo de tratamento dos toxicodependentes com problemas de inibição e aflição, o reforço da sua formação em técnicas de comunicação social pode elevar a eficácia do tratamento. Sall também referiu (em 1984) ao estado psicológico de inquietude e terror que tinham os toxicodependentes antes de ser submetidos a tratamento, sugerindo que no processo da sua abstinência do vício os ajudassem a acabar com este estado psicológico anormal e, com base nisto, os formassem em técnicas de comunicação inter-pessoal, habilidades de emprego e métodos para solução de problemas, etc. Quanto ao problema respeitante às imperfeições de personalidade dos toxicodependentes sob tratamento, Hoffman considerava (em 1964) que era muito comum o facto de o brio e autoconfiança dos consumidores de drogas serem bastante inferiores, razão por que Kaplan e Meyerowitz julgavam (em 1970) que no processo de tratamento de toxicodependentes era muito importante organizar cursos de formação para a elevação do seu brio e autoconfiança. Miller, Sensenig e Campbeel investigaram (em 1973) as diferenças entre os consumidores de drogas do sexo masculino e do feminino, existentes no aspecto da concepção do valor, e o resultado da sua investigação mostra que o sexo feminino prestava maior atenção à relação inter-pessoal e o sexo masculino davam maior importância à capacidade e êxitos de trabalho. Através do teste psicológico, Blumberg et al. descobriu (em 1974) que a maioria dos jovens marginalizados consumidores de drogas perderam a confiança nos seus familiares, considerando que ao projectar o processo de tratamento era considerar como recuperar a sua relação familiar desfeita. Na conclusão da sua investigação realizada em 1966, Rotter indica que a maioria dos recaídos no vício da droga atribuíram as causas da sua recaída ao destino e circunstâncias desfavoráveis e, por isso, é necessário incluir a elevação do seu sentido de responsabilidade no curso de formação organizado no processo de tratamento.

 

Dirigindo-se contra as diversas diferenças acima referidas entre os consumidores do sexo feminino e do masculino, Rhoads propunha (em 1983) que ao projectar o processo de tratamento se estabelecesse uma rede especial para o apoio às toxicodependentes sob tratamento, formando-as em diversas técnicas de comunicação social e habilidades de vida. Entre as 17 toxicodependentes que aceitaram o nosso inquérito, 17,6% disseram que na sua infância sofreram abusos sexuais. Conforme a investigação de Finregan et al, realizada em 1990, abusos sexuais sofridos pelo sexo feminino na infância terá muito possivelmente efeitos negativos sobre a sua maneira de vida na vida adulta e muitas delas poderão cair no vício do consumo de drogas; se uma mulher que tenha sofrido abusos sexuais e em consequência se tornar mãe, também poderá enfrentar diversos efeitos negativos. Dirigindo-se contra esta situação, a transmissão de conhecimentos da criação de bebés e o alívio da disposição de repressão e inibição devem ser o principal conteúdo no processo de tratamento destas toxicodependentes; além disso, o aconselhamento individual e a orientação em grupo devem ser abarcados em todo o processo de tratamento; o treino de técnicas de distinção de filhos próprios também deve ser incluído no curso de formação, ponto este que se tem mostrado útil pelas experiências acumuladas pelo Centro de Tratamento de Toxicodependentes do Sexo Feminino, subordinado à Sociedade para a Ajuda e Reabilitação de Consumidores de Drogas de Hong Kong. Por isso, sugerimos às autoridades interessadas de Macau que ao projectar o processo de tratamento tomem como referência as experiências de Hong Kong neste aspecto, para que estas experiências possam ser discutidas e aperfeiçoadas ainda mais no curso ou oficina de formação de trabalhadores de desintoxicação e, mais tarde, sejam aplicadas no processo de desintoxicação em Macau. Sempre que se apliquem os conhecimentos à prática conforme as circunstâncias concretas de cada caso e com o método de trabalho individual e em grupo, as técnicas para a recriação da vida dos toxicodependentes sob tratamento terão êxitos frutíferos.


Secção II: Características do Abuso de Drogas

 

(A) Tipos de Drogas Abusivamente Consumidos

 

(1)       Entre todos os pedidos de apoio de desintoxicação apresentados em 2001 ao Complexo de Apoio a Toxicodependentes do IAS, 82% dos utentes abusavam principalmente de heroína e cerca de 13% abusaram de Ketamina, xarope para tosse e comprimidos de tipos desconhecidos (Ver o Relatório da Luta contra a Droga em Macau 2001).

 

Mapa 16  Tendência do consumo de diversos tipos de drogas  (1997-2001)

 

 

 

Este gráfico mostra que o número dos consumidores de heroína tem apresentado uma tendência de baixa nos últimos anos. Mas, o consumo de outras drogas incluindo substâncias psicotrópicas apresenta uma tendência de subida.

 

(2)       Conforme a situação do combate à droga desenvolvido pela Polícia Judiciária nos últimos anos, a tendência de evolução dos tipos de drogas neste período é a seguinte:

 

Mapa 17 Comparação dos tipos de drogas confiscadas em Macau nos últimos anos (1999-2001)

Tipo de droga

Quantidade

1999

2000

2001

Heroína (gr.)

381

201

69

Haxixe (gr.)

3.367

22.256

1.018

Ice (gr.)

191

250

35

Ketamina (gr.)

12

525

1.621

Outros tipos de substâncias psicotrópicas (são principalmente estimulantes de tipo de anfetamina, MDA, MDMA, Meth.)

114

3.238

3.420

Fonte de dados: Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes (ex-Secção Coordenadora de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes)

 

Através da nossa visita à Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes, sabemos que a quantidade das drogas confiscadas na região de Macau se mantinha basicamente estável no seu conjunto, entre 1999 e 2001. Mas a quantidade de drogas de tipo de ópio tendia para aumentar e a de substâncias psicotrópicas confiscadas apresentava uma tendência de aumento evidente. A tendência de aumento da quantidade de substâncias psicotrópicas (como Ecstasy (MDMA e MDA) e Ketamina), abusivamente usadas, não só existe em Macau, mas também nas regiões vizinhas (como em Zhuhai), onde é popular a "cultura de delírio" (rave culture). Entretanto, a quantidade de haxixe confiscada tem-se reduzido com rapidez, o que mostra talvez a mudança da operação dos bandos criminosos, ou seja, transportando-se ilegalmente as drogas por meio de divisão de um todo em partes.

 

(3)       Tipos de drogas consumidas pelos 108 inquiridos, toxicodependentes em tratamento antes de receberem o serviço de desintoxicação

 

Mapa 18  Tipos de drogas abusivamente consumidas

Tipo de droga

Sexo masculino

Sexo feminino

Total

n.º =91

%

n.º =17

%

n.º =108

%

Heroína

21

23

2

11,8

23

21,1

Heroína+Midazolam

55

60,4

8

47

63

58,3

Haxixe ou heroína+Midazolam

5

5,5

3

17,6

8

7,4

Heroína ou Midazolam

2

2,1

1

5,9

3

2,8

Calmantes

3

3,3

1

5,9

4

3,7

Haxixe

0

0

1

5,9

1

0,9

Heroína+Midazolam ou Ecstasy

5

5,5

1

5,9

6

5,6

 

Este mapa mostra que entre os 108 inquiridos 21% só consumiam heroína antes de receber o serviço de tratamento; 58,3% consumiam heroína e Midazolam ao mesmo tempo, sendo o número destes consumidores do sexo masculino (60,4%) superior ao do sexo feminino (47%); 7,4% dos inquiridos em tratamento consumiam haxixe de vez em quando; 5,6% consumiam ao mesmo tempo diversos tipos de substâncias psicotrópicas. Entre os 106 consumidores de drogas que foram inquiridos na rua, 97,7% consumiam estupefacientes que causam dependência. Dos inquiridos do sexo masculino, 25% revelaram que consumiam também outros tipos de substâncias ilegais, tais como Ketamina e Ecstasy. Dos inquiridos do sexo feminino, 45% disseram que consumiam ao mesmo tempo estupefacientse e substâncias psicotrópicas. Todavia, como o inquérito de rua era relativamente superficial e limitado pelo tempo, o grau credibilidade é claramente inferior ao do inquérito aos toxicodependentes em tratamento.

 

 

(B)    Consumo Médio Diário de Drogas

 

Mapa  19  Consumo médio diário de drogas por parte dos 108 inquiridos toxicedependentes em tratamento

Valor de drogas diariamente consumidas

(Mop$)

Utentes da consulta externa

Toxicodependentes que pedem internamento por vontade própria

Os que tinham o vício de se drogar antes de ser reclusos

Total

Inferior a 200

13(48,1%)

20(31,3%)

4(23,5%)

37(34,3%)

200 a 400

9(33,3%)

28(43,8%)

7(41,2%)

44(40,7%)

Superior a 400

5(18,5%)

16(25%)

6(35,3%)

27(25%)

Total

27(100%)

64(100%)

17(100%)

108(100%)

Custo em média

 

 

 

230 (patacas)

 

Segundo os dados fornecidos pelos 108 inquiridos, relativos ao valor de drogas diariamente consumidos, 40,7% deles gastaram Mop$200 a 400, 34,3% menos de Mop$200 e 25% gastaram Mop$400 ou mais. O valor médio de drogas diariamente consumidas era de Mop$230. Este número é muito aproximado do resultado do nosso inquérito de rua (sendo de Mop$225). Além disso, através dos grupos de foco, fomos informados de que devido à passagem fácil pela alfândega, entrando e saindo de Zhuhai no mesmo dia, onde o valor médio de drogas diariamente consumidas era de $80 (o mínimo, $50; o máximo, $150). Quanto aos motivos do consumo de drogas trans-fronteiriço, 75% expressaram que no interior da China era fácil adquirir substâncias ilícitas e o preço era mais barato, 13% consideravam que no interior da China existiam menos possibilidades de serem detidos, e havia alguns inquiridos que consumiam drogas no interior da China, porque suas famílias aí se encontravam.

 

 

(C)    Métodos de Consumo de Drogas e Situação de Partilha de Seringa

 

1.     Métodos de consumo de drogas:

 

 

Mapa 20  Métodos de consumo de drogas

 

Mapa 20

Situação dos 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento

antes de terem ingressado no lar

Situação dos 106 consumidores de drogas inquiridos na rua

Métodos de consumo de drogas

M

(%)

F

(%)

M

(%)

F

(%)

Injecção por via intravenosa

74

(81,3)

14

(82,4)

80

88%

7

47%

Consumo por inalação ("chasing dragon")

11

(12,1)

1

(5,9)

7

8%

3

20%

À maneira de fumar

4

(4,4)

0

(0)

/

/

Consumo oral

1

(1,1)

2

(11,8)

1

1,1%

5

33%

Consumo nasal

1

(1,1)

0

(0)

/

/

Total

91

(100)

17

(100)

/

/

 

 

     A maioria dos consumidores de drogas, tanto do sexo masculino como do feminino, adoptavam a injecção de drogas por via intravenosa, ocupando quase 80% e só 12% adoptavam o método de consumo por inalação ("chasing dragon"). Quanto ao consumo oral, havia respectivamente 11,8% das inquiridas toxicodependentes em tratamento e 33% das inquiridas de rua que o adoptavam, percentagens estas que são muito maiores do que a do sexo masculino, que é de apenas 1,1%. A causa principal disso residirá talvez no aumento progressivo do número de consumidoras de substâncias psicotrópicas, sendo a via oral a forma principal da sua administração. Segundo os dados da Divisão de Tratamento e Reinserção Social, a maioria dos consumidores registados adoptavam a maneira de injecção intravenosa, atingindo 80% a sua percentagem antes de 1997 e mantendo-se a nível de 50% nos últimos anos. Segue-se-lhe a maneira de consumo por inalação, que ocupa 12% e a de consumo oral, que constitui 10%, mas a percentagem apresenta a tendência para subir. Quanto às percentagens dos utentes que consomem drogas injectáveis, existe uma diferença de 25% entre o resultado do presente inquérito aos 108 toxicodependentes em tratamento e os dados apresentados pela Consulta Externa em 2001, o que mostra que as maneiras de consumo de drogas adoptadas nos últimos anos têm sofrido mudanças positivas, ou seja, cada vez mais consumidores deixaram de adoptar a via intravenosa e começaram a adoptar outras maneiras mais seguras, mudança essa que é considerada como um passo de arranque muito importante na redução de prejuízos causados pelo consumo de drogas.

 

2.     Situação da partilha de seringa:

 

Este mapa mostra que entre os 108 inquiridos há 88 (81,5%) que adoptavam a injecção por via intravenosa e entre estes 88 utentes, 62 (71%) partilharam e partilham seringas com outros no consumo de drogas. A percentagem dos utentes de injecção intravenosa e a das utentes desta maneira são aproximadas, sendo respectivamente de 70,2% e 71,4%. Os 62 consumidores que partilham seringas ocupam cerca de 57% do total dos inquiridos.

 

Mapa 21  Situação da partilha de seringa entre os 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento

88 consumidores de drogas por via de injecção intravenosa

Sexo masculino

(N.º = 74)

Sexo feminino

(N.º = 14)

Total

 

Partilha de seringas ocasional

44 (59,4%)

10 (71,4%)

62%

Partilha de seringas com frequência

8 (10,8%)

0

9%

Percentagem ocupada no total dos utentes que consomem drogas por via de injecção intravenosa (n.º = 88)

70,2%

71,4%

71%

Taxa ocupada no total dos inquiridos (n.º = 108)

57%

58,8%

57%

 

 

 

Mapa 21a  Situação dos 106 consumidores de drogas inquiridos na rua

Injecção com seringa

(n.º = 87)

Seringa preparada por si próprio

Seringa descartável

Droga injectada com a ajuda do vendedor

Partilha de seringa com outrem

Sexo masculino de nacionalidade chinesa

(n.º = 76)

21 (79%)

24 (31,6%)

1 (1,3%)

30 (40%)

Sexo masculino de nacionalidade chinesa

(n.º = 7)

1 (14,3%)

1 (14,3%)

0 (0%)

5 (71%)

Sexo masculino de nacionalidade portuguesa (n.º = 4)

4 (100%)

0 (0%)

0 (0%)

0 (0%)

Percentagem ocupada no n.º total (106)

25%

24%

9%

33%

 

 

Este mapa mostra que entre os 87 consumidores de drogas injectáveis, inquiridos na rua (ocupando 82%), 40% do sexo masculino partilhavam seringa com outros, sendo inferior a dos inquiridos toxicodependentes em tratamento, que atinge 70%. Mas, a percentagem do sexo feminino (71%) é semelhante à das inquiridas toxicodependentes em tratamento. O número dos toxicodependentes que partilham as seringas ocupa 33% no total dos 106 inquiridos de rua, sendo inferior à dos inquiridores toxicodependentes em tratamento, que atinge 57%. A causa disso é devido talvez ao facto de o número dos inquiridos toxicodependentes inclui as acções passadas e as acções actuais, enquanto que o número dos inquiridos de rua só mostra a situação de acções actuais.

 

Segundo os dados do Laboratório de Saúde Pública dos Serviços de Saúde de Macau, entre 1986 e finais de 2002 foram registados 262 casos acumulados relativos à infecção de HIV/SIDA, dos quais 66,8% se referiram a trabalhadores não residentes nos estabelecimentos de diversão, e o canal de infecção era principalmente o contacto sexual, ocupando 77,5% do total, seguindo-se-lhe o contacto homossexual (8,8%) e a partilha de seringa (5,0%). O mapa de cima mostra que há acumulativamente 13 infectados com HIV por via da partilha de seringa, (dos quais 8 eram trabalhadores não residentes). Segundo os dados obtidos através da visita ao responsável do Laboratório de Saúde Pública, realiza-se a análise de sangue aos trabalhadores de clubes nocturnos não residentes em Macau de 4 em 4 meses, mas era difícil inspeccionar as jovens que vieram do interior da China para se entregarem à prostituição. Por isso, não tivemos meios para recolher os dados numéricos sobre as infeccionadas de HIV entre as prostitutas que vieram do interior da China (incluindo as que partilham seringas para a injecção de drogas).

 

(D)     Conhecimentos e Acções para a Redução de Prejuízos

 

1.     Situação da infecção do HIV/SIDA em Macau

 

Mapa 22  Extractos da Estatística do 4.¢X Trimestre19

(Outubro a Dezembro de 2002)

Sexo

2002 (Janeiro a Dezembro)

1986 a Dezembro de 2002

HIV

SIDA

HIV

SIDA

Masculino

9

1

87

18

Feminino

13

1

174

5

Desconhecido

0

0

1

0

Canal de infecção: partilha de seringa

0

0

13

3

Total

22

2

262

23

 

2.     Situação da prevenção da SIDA e da adopção de medidas preventivas quando da realização de acções sexuais:

 

Mapa 23  Situação da limpeza de seringas entre os 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento

Método de limpeza

Toxicodependentes do sexo masculino que partilham seringas (N.º=52)

Toxicodependentes do sexo feminino que partilham seringas (N.º=10)

Nunca limparam

3 (5,8%)

0 (0%)

Só limparam com água

43 (83%)

8 (80%)

Limparam com álcool/lixívia em líquido

3 (5,8%)

1 (10%)

 

 

Mapa 24  Situação dos que frequentavam prostíbulo e das que se entregavam à prostituição entre os 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento

Frequentava prostíbulo/entregava-se à prostituição?

Sexo masculino

(n.º =91)

Sexo feminino

(n.º =17)

Total

(n.º = 108)

Não

27 (30%)

13 (76,5%)

40 (37%)

Sim

64 (70,3%)

4 (23,5%)

68 (63%)

 

 

Os dados acima referidos mostram que entre os inquiridos mais de 70% têm determinados conhecimentos sobre os canais de infecção da SIDA, mas não têm adoptado decisivamente medidas preventivas. Por exemplo, a maioria dos inquiridos (83% do sexo masculino; 80% do feminino) só limpavam a seringa com água; entre os que frequentavam prostíbulo só 50% usavam amiúde contraceptivos. Por isso, no projecto de cursos de educação social é necessário prestar atenção especial à elevação da proporção da adopção de medidas preventivas. Por outro lado, o hábito de frequentar prostíbulos está geralmente relacionada com o consumo de drogas, razão por que é imperativo encarar com coragem esta realidade, não podendo fugir-se da discussão do problema apenas por causa da crença religiosa ou por vergonha.

 

 

Mapa 25  Situação do uso de contraceptivos por parte dos 68 inquiridos toxicodependentes em tratamento

Os que frequentavam prostíbulo/as que se entregavam à prostituição

Sexo masculino

(n.º = 64)

Sexo feminino

(n.º = 4)

Usavam com frequência

36 (56,3%)

4 (100%)

Usavam ocasionalmente

22 (34,4%)

0 (0%)

Nunca usavam

6 (9,4%)

0 (0%)

 

Mapa 26  Conhecimentos dos 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento sobre a infecção de SIDA*

(Pode assinalar uma ou mais respostas)

Sexo masculino

(n.º = 91)

Sexo masculino

(n.º = 17)

Sabem que entre os infectados de SIDA do interior da China a maioria foi infectados pela injecção de drogas

46 (50,5%)

9 (52,9%)

Sabem que pode ser infectado por canais de humor corporal e sangue

82 (90,1%)

14 (82,4%)

Sabem que é fácil ser infectado por via de injecção intravenosa

59 (64,8%)

13 (76,5%)

Sabem que a partilha de seringas é a mais perigosa

75 (82,4%)

14 (82,4%)

Não têm nenhum conhecimento

5 (5,5%)

1 (5,9%)

*Os conhecimentos foram adquiridos em palestras sobre a saúde regularmente organizadas por algumas instituições de desintoxicação, de TV (filmes de propaganda de curta metragem de Hong Kong) e de jornais e revistas.

 

 

(E) Idade do Consumo Inicial e Motivos da Aquisição do Vício

 

(1)        Idade média dos consumidores de drogas: Conforme os dados relativos à tendência de evolução da idade dos toxicodependentes que pedem tratamento, entre 1991 e 1998, 62% dos consumidores de drogas, tanto do sexo masculino como do feminino, tinham idades compreendidas entre os 24 a os 25 anos20. Mas, entre 1998 e 2000, o número dos pedintes de apoio tinham 30 ou mais anos de idade aumentou sem cessar e em 2001 ocupou 75% do total.

(2)        Idade média dos que consumiram drogas pela primeira vez: Conforme o Relatório da Luta contra a Droga, a idade média dos que consumiram pela primeira vez não apresentou a tendência de baixa; pelo contrário, subiu de 17,9 anos de 1991 para cerca de 25 anos em 2001. Em Hong Kong, entre os consumidores de drogas que foram apresentados pela primeira vez, 67,6% disseram que consumiram drogas pela primeira vez entre os 15 e os 24 anos.

 

(3)        Motivos da aquisição do vício causada pelo consumo inicial de drogas

 

Através da investigação de 500 consumidores de Metadona, do sexo masculino e do feminino, na Califórnia, Estados Unidos, realizada em 1987, os estudiosos do combate à droga internacional, Anglin, Hser e McGlothlin, descobriram: (1) A maioria das consumidoras de drogas adquiriam o vício pela primeira vez principalmente devido à sedução de amantes/cônjuges; (2) A maioria dos consumidores de drogas adquiriam o vício pela primeira vez principalmente devido à influência de amigos/colegas. O resultado do presente inquérito (Ver o mapa de cima) apresenta a conclusão semelhante: A maioria dos consumidores de drogas (39,6%) adquiriam o vício pela primeira vez principalmente devido à influência de amigos/colegas; a maioria das abusadoras de drogas (35,3%) consumiram drogas pela primeira vez principalmente devido à curiosidade e à sedução de amantes. De entre as inquiridas consumidoras de drogas, muitas revelaram que foram controladas pelos amantes, tornando-se assim os seus meios de transporte de drogas e instrumentos para ganhar dinheiro.

 

Mapa 27  Motivos da aquisição do vício causada pelo consumo inicial dos 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento

Sexo masculino (n.º = 91)

Sexo feminino (n.º = 17)

1.     Influência de colegas ou amigos

39,6%

1.     Influência do namorado e curiosidade

35,3%

2.     Matar a curiosidade

26,4%

3.     Aliviar a depressão emocional

23,6%

4.     Aliviar a depressão emocional

17,6%

2.     Influência de colegas ou amigos

18%

5.     À procura de excitação e deleite

10%

 

 

(F) Experiências de Tratamento da Toxicodependência

 

Mapa 28  Situação da desintoxicação dos 108 inquiridos no passado

(n.º =108)

1 a 2 vezes (%)

3 a 5 vezes (%)

Mais de 5 vezes (%)

Consulta Externa

20,4

14,8

11,2

Centro de Reabilitação da Taipa (antes de 1990)

12,1

4,7

0

Desafio Jovem

27,8

8,3

0,9

Confraternidade Cristã Vida Nova

23,1

6,5

0

Associação Reabilitação de Toxicodependentes

13

1,8

0

St. Stephen's

14,8

4,6

2,8

Jesus Family

10,2

0,9

0

Hospital

4,6

0

0

Interior da China

(tratamento compulsivo e voluntário)

33,5

10,3

0,9

Total

71%

22%

7%

 

Este mapa mostra que a maioria dos inquiridos (71%) receberam duas vezes o serviço de tratamento da toxicodependência; entre estes 27,8% internaram-se voluntariamente no lar do Desafio Jovem e 23,1% no lar da Confraternidade Cristã Vida Nova; 20,4% receberam voluntariamente o tratamento da Consulta Externa e 12,1% ingressaram no Centro de Reabilitação da Taipa. Depois do encerramento deste Centro em 1990, todos os criminosos consumidores de drogas foram presos no Estabelecimento Prisional de Macau. Entre os inquiridos 22% submeteram-se a tratamento por 3 a 5 vezes e entre estes a maioria recebeu o serviço da Consulta Externa, constituindo 14,8% do total e os que se internaram voluntariamente no lar do Desafio Jovem e no lar da Confraternidade Cristã Vida Nova ocupam 8,3% e 6,5%, respectivamente. A Jesus Family fechou no ano passado e a St. Stephen's, devido à alteração da sua orientação de serviço, não só acolhe consumidores de drogas, mas também vagabundos de rua, razão por que é difícil comparar os dados numéricos. Quanto aos modelos de tratamento, além da Associação Reabilitação de Toxicodependentes (antigamente era Ser Oriente), outras instituições particulares como o Desafio Jovem e a Confraternidade Cristã Vida Nova adoptam o modelo de tratamento evangélico, enquanto que a Consulta Externa adopta o modelo não religioso, ou seja, o de acção social. Por isso, ela pode acolher com maior facilidade os consumidores gerais. O inquérito mostra que a maioria dos consumidores de drogas que receberam de 3 a 5 vezes o serviço de tratamento pediram o apoio da Consulta Externa. Ao elaborar o plano de tratamento a curto e longo prazo é necessário atender esta situação.

(G) Motivos de Recaída e Dificuldades na Reinserção Social

 

Newman indicou (em 1983): Os reabilitados do abuso de heroína pode recair repetidamente no vício no processo da sua reinserção social, situação que é muito difícil evitar. Depois da nova aquisição do vício, devido ao aumento da quantidade de drogas toleradas, o grau grave do índIce do vício também pode elevar-se, razão por que é bastante difícil voltar a abster-se do vício. No seguinte mapa vamos mostrar os motivos de recaída dos 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento e os efeitos causados a si mesmos e ao seu ambiente.

 

Mapa 29  Motivos de recaída dos 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento

Factores individuais

Sexo masculino

(n.º =91)

Sexo feminino

(n.º =17)

Total

1. Não conseguir abster-se do vício (para evitar o desconforto sentido devido a não ter consumido drogas)

42,9%

35,3%

78,2%

2. Aliviar a angústia e depressão emocional e fugir da realidade

41,8%

58,2%

100%

 

Factores ambientais

Sexo masculino

(n.º =91)

Sexo feminino

(n.º =17)

 

1.Influência de amigos toxicodependentes ou traficantes de drogas

2. Desemprego e actividades indiscretas

3. Má relação familiar

4. Não cumprimento do processo de tratamento e reabilitação (ou seja, saída antecipada do lar)

33%

 

 

30,8%

 

23,1%

6,6%

29,4%

 

 

29,4%

 

17,6%

17,6%

 

Nota: O inquirido pode assinalar duas respostas principais quando for perguntado sobre os motivos de recaída.

 

Entre os inquiridos, para a maioria do sexo masculino, os factores individuais incluindo a forte dependência psicológica de drogas (42,9%) e o alívio do aborrecimento eram os motivos principais da sua recaída; para a maioria do sexo feminino (58,2%), o principal motivo da sua recaída era aliviar com drogas a sua depressão emocional. Quanto à influência do ambiente exterior, tanto para o sexo masculino como para o feminino, os principais motivos da sua recaída eram o desemprego e a influência de amigos. Além disso, a falta da rede de apoio de acompanhamento após a abstinência do vício e o facto de não ser aceite por familiares eram também motivos secundários da sua recaída.

 

Quanto às experiências vividas pelos reabilitados da toxicodependência no processo de contacto com amigos não consumidores de drogas ou pessoas bem comportadas, foi descoberto que 66% dos inquiridos não contactaram com esses amigos ou pessoas no fim do processo de tratamento, facto que mostra que a organização de apoio autónomo e apoio mútuo criada para reabilitados da toxicodependência (concretamente, a actual Associação Renovação e Apoio Mútuo) não tem desempenhado completamente as suas funções no sentido de reunir um maior número possível das pessoas que concluíram o tratamento na Consulta Externa ou o internamento em lar.  Portanto, no âmbito do serviço de acompanhamento a toxicodependentes reabilitados, deve ser criado um mecanismo que permita a prestação de apoio a toxicodependentes reabilitados.  Por outro lado, a falta do serviço de acompanhamento e da rede de apoio autónomo e mútuo aos ex-reclusos que cumpriram o processo de tratamento da toxicodependência constitui um factor relevante conducente à não redução do número de recaídos no vício.

 

 

 

(H)  Relação entre a Dose Aplicada e o Tratamento

 

Ao investigar o grau de gravidade do abuso de drogas por parte dos toxicodependentes, Crawford descobriu (em 1983) que a dose (por exemplo, 3 vezes por dia ou por semana), a maneira de administração e história do consumo de drogas variam de pessoas para pessoas. Não era fácil conseguir num curto prazo obrigar os toxicodependentes a participar no programa de tratamento pouco tempo depois do início da dependência da droga.  Por isso, se quiser ter êxito com maior facilidade no tratamento destes toxicodependentes, será necessária a avaliação do índice da gravidade da sua dose administrada, acrescida da promoção de motivação junto dos utentes.  Por exemplo, antes do internamento em lar, seria conveniente administrar aos utentes alguns medicamentos com a função de atenuar os sintomas do vício, o que vai prolongar o tempo de permanência no lar aumentando a taxa de internamento.  Flaherty considerava (em 1984) que o processo de tratamento devia ser concebido em função dos diversos tipos de dose aplicada. Através do inquérito a 40 reabilitados bem comportados, realizada em 1983, Wille descobriu que 90% dos inquiridos reconheceram que no fim do cumprimento do processo de tratamento, apesar de não voltarem a consumir heroína, se entregaram ao alcoolismo e ao abuso de haxixe, anfetamina ou calmantes. Só foi 8 anos depois que esta acção de abuso de diversos tipos de drogas parou ou se tornou cada vez menos. Por isso, chegou à conclusão de que a acção de abuso de diversos tipos de drogas era uma etapa no processo da abstinência completa do vício. No processo de tratamento era necessário prestar maior atenção à solução do problema relativo à acção de abuso de diversos tipos de drogas, não devendo só atender a solução do problema sobre o abuso de heroína. Em resumo, o tratamento eficaz deve ter como meta a longo prazo a mudança do modo de vida dos toxicodependentes (Whole person recovery), a mudança da maneira de consumo de drogas pode reduzir oportunamente os prejuízos (ver o Manual sobre a Redução de Prejuízos Causados pelo Abuso de Drogas, a ser publicado brevemente em 2003 pelo Conselho do Serviço Social de Hong Kong (Hong Kong Council of Social Service), publicação que será benéfico para enriquecer os conhecimentos profissionais por parte dos assistentes sociais e dos trabalhadores da linha da frente.  A título de exemplo, nessa publicação é preconizada a substituição da "injecção" pela "inalação" de drogas ("chasing dragon"), o que pode evitar eficazmente o vírus transmitido por via de sanguínea.

 

 

Secção III: Características Sócio-Económicas

 

(A)       Estado Civil e Relação Familiar

 

A tendência de evolução entre 1991 e 1997 mostra que a maioria dos utentes eram solteiros, atingindo 60,3%, mas a proporção dos casos referentes aos casados já teve um aumento de 19% em 1991 para 46% em 1997. Esta tendência de subida registou certo abrandamento entre 1999 e 2000. Até 2001, a percentagem dos casos referentes aos casados ( 42%) já excedeu a dos casos relativos aos solteiros (40%). Incluindo-se os casos de divórcio/separação, tanto o número dos casos relativos aos casados como o dos relativos aos divorciados tendem para aumentar.

 

O resultado do inquérito aos 108 toxicodependentes em tratamento mostra que entre eles 17,6% (ou 35% dos 65 casados) divorciaram-se ou vivem separados. Conforme estatísticas da Consulta Externa, a taxa de divórcio dos toxicodependentes em tratamento elevou-se de 2% em 1997 para 11% em 2001, quase 10 vezes superior à de separação / divórcio da população de Macau, que é apenas de 1,6%.

 

Mapa 30  Estado civil dos 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento

 

N.º = 108

%

Casado/a, vive com o/a cônjuge e filhos em Macau

20

(18,5%)

Casado/a, não vive com o/a cônjuge e filhos

2

(1,9%)

Casado/a, mas o/a cônjuge e filhos vivem no interior da China

3

(5,6%)

Vive separado/divorciou-se

19

(17,6%)

Perdeu o/a cônjuge

1

(0,9%)

Vive com outrem maritalmente

10

(9,2%)

 

Bucky considerava (em 1973) que o consumo de drogas podia piorar a relação conjugal e a vida familiar, conduzindo assim à alta taxa de divórcio. O resultado desta investigação mostra que entre os toxicodependentes os que tinham má relação com familiares ocupam 32%, os que tinham uma relação muito má com familiares ocupam 15%. O divórcio conduz ao aumento múltiplo de famílias monoparentais, o que agrava indirectamente o encargo do Governo na disponibilidade de habitações, no apoio económico e na prestação de outros tipos de serviço social.

 

(B)       Distribuição Regional dos Consumidores de Drogas e Migração da População

Na sua obra de investigação, publicada em 1970, Ball e Bates indicam  que apesar de ainda não haver suficientes provas para mostrar que o consumo de drogas esteja claramente relacionado com a migração populacional, existe decerto a relação evidente entre a migração da velha geração e o consumo de drogas por parte da nova geração. O autor considera que no processo de liga na cultura local, a maioria dos filhos dos novos imigrantes não estão dispostos a aceitar o valor tradicional dos pais, mas estão dispostos a aceitar o valor cultural de seus amigos locais. Por outro lado, como os pais gastam grandes esforços para se adaptarem ao novo ambiente, negligenciam a educação de filhos. Este ponto de vista tem sido provado pelo fenómeno existente nos últimos anos na zona norte de Macau (Freguesia da Nossa Senhora de Fátima). Um inquérito realizado pelo Centro de Desenvolvimento Juvenil da Areia Preta Sheng Kung Hui em 2000 junto a jovens da zona norte mostra que muitos jovens marginalizados são de famílias monoparentais ou de famílias de estrutura incompleta21.

 

Nos últimos anos o número dos novos imigrantes em Macau tem aumentado de modo estável e a sua maioria vive na zona norte, ligada com a zona de Gongbei de Zhuhai. O resultado do censo de 2001 mostra que conforme a distribuição por freguesia, o número dos residentes na Freguesia da Nossa Senhora de Fátima é o mais, atingindo 180.499, que ocupa 41,5% do total da população de Macau. Segue-se-lhe a Freguesia de Santo António, situada ao sul da Freguesia da Nossa Senhora de Fátima, cujos residentes ocupam 23,9% do total. Por outro lado, os bairros vizinhos, como o de Mong Há, o da Areia Preta, Iao Hon e Porto Exterior, foram no passado zonas industriais, mas com a mudança das unidades fabris para o interior da China, muitos edifícios desses foram abandonados tornando-se esconderijos onde consumiam drogas, desempregados e sem-abrigos. O nosso inquérito aos 106 consumidores de drogas em rua mostra que entre eles 73% viviam na zona norte ou vagueavam por aquela zona e mais de 60% tinham 40 ou mais anos de idade.

 

Mapa 31 Comparação regional das habitações dos 106 inquiridos em diversas zonas de Macau

Freguesia de Nossa Senhora de Fátima (zona norte)

   78         

73,6%

Outras freguesias (incluindo as ilhas da Taipa e de Coloane)

28     

(26,4%)

 

Mapa 32  Distribuição etária

N.º = 106

40 anos ou menos

40 anos ou mais

Freguesia de Nossa Senhora de Fátima

(N.º = 69)

37,7%

62,3%

Outras freguesias

(N.º = 37)

46%

54%

 

 

Ball e Bates indicaram em 1970 que a taxa de migração dos consumidores de drogas era inferior à da população em geral, o que é devido ao desemprego e ao estatuto sócio-económico. A zona norte de Macau é mais aproximada da Alfândega de Gongbei e para os consumidores de drogas é muito fácil passar pela alfândega para visitar familiares ou consumir drogas. Para os toxicodependentes mais jovens, devido aos seus trabalhos, nomeadamente nos estabelecimentos de diversão e nos sectores de serviço (cabeleireiro, por exemplo), tem maior possibilidade de mudar para outro sítio. No processo do nosso inquérito de rua, visitámos mais de dez jovens consumidores de heroína que trabalhavam em cabeleireiros situados na Freguesia de Santo António (concretamente, na Rua de Cinco de Outubro). Como esta Freguesia e a Freguesia de São Lázaro são vizinhas e a idade média dos consumidores de drogas é inferior à dos da zona norte. Os problemas principais detectados nestas 2 zonas são o desemprego, problemas económicos e delinquência juvenil. Acrescentando-se-lhe que aqui existem numerosos estabelecimentos de diversão nocturna, que são considerados lugares ideais para o abuso de drogas por parte de jovens. Quanto à situação das ilhas da Taipa e de Coloane, conforme o censo de 2001, o número dos residentes aumentava sensivelmente, registando um aumento de 4,8 vezes em relação a 1991 e a sua proporção no total da população de Macau elevou 7,6%22. Segundo dados fornecidos por assistentes sociais da Divisão de Tratamento e Reinserção Social, com o aumento dos novos imigrantes na Taipa nos últimos anos, o seu problema relativo a jovens e adolescentes tem vindo a chamar a atenção pública e aqui está a crise de jovens e estudantes que consomem drogas.

 

Resumindo-se todas as análises acima mencionadas, chegamos à seguinte conclusão: Entre os consumidores de drogas, a percentagem dos imigrantes do interior da China é cada vez mais elevada e a maioria dos consumidores de drogas vivem na zona norte. Esta situação faz com que os consumidores de drogas tenham que enfrentar ainda maiores dificuldades na sua ruptura do círculo especial da sub-cultura relativa ao consumo de drogas e na sua integração na sociedade. Durante a discussão dos grupos em foco, a maioria dos toxicodependentes do sexo masculino, em tratamento, expressaram que as suas oportunidades para a procura de emprego e a sua esfera de actividades eram muito limitadas, e lhes era muito difícil vencer as restrições psicológicas existentes na sua vida quotidiana.

"Jorquez (1984) noted that in the process of becoming abstinent, addicts must extract themselves from the addict sub-culture, and then find a means of accommodating to the larger, non-addict society."

 

 

 

 

 

 

(C) HabilitaçõesAcadémicas

 

(1)       Comparação das habilitações académicas dos que consumiam e não consumiam drogas:

 

Mapa 33  Comparação das habilitações académicas dos consumidores e não consumidores de drogas (2001)

Grupo etário de 30 a 40 anos

Inquiridos na rua (N.º=106)

Toxicodependentes em tratamento (n.º =108)

Situação das habilitações académicas de toda a população de Macau23

Curso primário

65%

63%

44,7%

Curso secundário

29%

35,2%

37,9%

Curso superior

0%

0,9%

7,4%

Não tem habilitações

5,8%

0,9%

9,9%

 

Da análise deste mapa, verifica-se uma alta percentagem dos toxicodependentes que têm curso primário. Entretanto, em termos globais, menos de 50% da população de Macau tem curso primário, mas mais de 60% dos toxicodependentes activos ou em tratamento não concluíram ou concluíram o curso primário.

 

(2)       Comparação das habilitações académicas dos toxicodependentes em tratamento voluntário e dos reclusos drogados:

 

Mapa 34  Comparação das habilitações académicas dos toxicodependentes em tratamento voluntário e dos reclusos drogados

 

Toxicodependentes em tratamento voluntário (N.º = 91)

Reclusos drogados

(N.º = 17)

Curso primário

60,2%

76,5%

Curso secundário

38,2%

23,3%

 

Este mapa mostra que as habilitações académicas dos reclusos drogados é em geral inferior à dos toxicodependentes em tratamento voluntário. Entre os reclusos drogados, apenas 23% com curso secundário, sendo 76,5% com curso primário. Entretanto, entre os toxicodependentes em tratamento voluntário 60,2% com curso primário e 38,2 com curso secundário. Mas, a relação entre o nível de habilitação académica e a taxa de criminalidade não é evidente, possivelmente porque a representabilidade dos 17 inquiridos reclusos drogados é insuficiente, número que é muito inferior ao dos 91 toxicodependentes em tratamento voluntário. No entanto, é possível existir certa relação entre as habilitações académicas e as oportunidades de emprego, questão que deve ser estudada profundamente, antes de se poder chegar a uma conclusão.

 

(3)       Comparação das habilitações académicas dos consumidores de drogas do sexo masculino e do feminino

Mapa 35  Habilitações académicas dos inquiridos do sexo masculino e do feminino

 

Habilitação académica dos 108 toxicodependentes em tratamento

Habilitação académica dos 106 consumidores de drogas em rua

 

Sexo masculino

Sexo feminino

Sexo masculino

Sexo feminino

Curso primário

64 (70,3%)

4 (23,5%)

70%

36,4%

Curso secundário

26 (28,6%)

12 (70,6%)

24%

54,6%

Comparando os resultados do inquérito aos 108 toxicodependentes em tratamento e aos 106 consumidores de drogas na rua, verificamos que entre os inquiridos a habilitação académica do sexo feminino é superior à do sexo masculino, enquanto que a idade média do sexo feminino é inferior à do sexo masculino (32 : 38,9). Este facto está relacionado talvez com o aumento de imigrantes do sexo feminino de idade mais jovem nos últimos anos. Também está provavelmente relacionado com o facto de as imigrantes terem concluído o curso secundário elementar, questão que está por estudar a fundo para o seu apuramento.

 

(D) Situação Sócio-económica e Emprego

 

(1)     Relação entre o problema relativo ao consumo de drogas e a estrutura familiar e social:

Nos anos 60, em geral considerava-se que todos os consumidores de drogas vieram de famílias com o baixo estatuto social ou de comunidades economicamente pobres. O estudioso norte-americano, Winick indicou em 1965 que a maioria dos consumidores de ópio eram de famílias com a posição social humilde, pertencentes à camada inferior da sociedade, em que reinava a desconfiança, pessimismo e disposição de abandono, o que se pode verificar em diversas infracções. Kaplan e Meyerowitz (1970) também descobriram na sua investigação que a maioria do grupo consumidor de drogas pertenciam à camada social inferior, chegando a 56% do total, ao passo que 21% do total do grupo não consumidor é proveniente da camada social inferior. Mas, com o progresso, Kleinman descobriu em 1978 que o estatuto social da família tem apenas efeito sobre a fase inicial do consumo de drogas, o que só acontece aos indivíduos locais.  Para os novos imigrantes, como o novo ambiente lhes exercia influências relativamente grandes, o consumo de drogas quase não tinha relação óbvia com o estatuto social da sua família. Actualmente, os consumidores de drogas já estão dispersos por diversos estratos sociais. De facto, Beckett e Lodge, bem como Lukoff et al já descobriram respectivamente em 1971 e 1972 que o problema relativo ao consumo de drogas também tinha surgido entre os "trabalhadores de colarinho branco" (white collar workers) ou em famílias da classe média. Bewley e Ben-Arie, assim como Ball ainda descobriram respectivamente em 1968 e 1970 que a maioria das famílias com membros consumidores de drogas poderiam baixar da camada social superior para a camada social inferior, o que é obviamente o efeito do abuso de drogas e não é a sua causa.

 

(2)     Situação do emprego e profissão dos consumidores de drogas:

No seguinte mapa apresentam-se os dados sobre a situação de emprego dos 108 inquiridos toxicodependentes em tratamento e os dados comparativos analisados pela Consulta Externa em 2002 sobre o emprego e o desemprego dos utentes do tratamento da toxicodependência:

 

Mapa 36  Comparação dos dados sobre o emprego e desemprego de consumidores de drogas em Macau

 

Dados numéricos do presente inquérito

N.º = 108      %

Dados numéricos da Consulta Externa

(2002)

1.   Empregado a tempo inteiro

2.   Empregado a tempo parcial

3.   Desempregado

4.   Actividades indiscretas

5.   Outros casos (dona de casa, reformado, etc.)

21                                                       19,4%

20                                                       18,5%

27                                                       25%

31                                                       28,7%

9                  8,4%

30% de empregados

 

 

 

68% de desempregados

 

O mapa de cima mostra que entre a taxa de desemprego dos 108 inquiridos (25%) e a de desemprego analisada pela Consulta Externa existe uma diferença grande, porque as respostas dos nossos inquiridos reflectem a situação de há 2-3 anos quando a taxa de desemprego era relativamente baixa, mas em 2002 a taxa de desemprego é geralmente elevada. Além disso, se se somarem as diversas percentagens, obtidas no nosso inquérito, incluindo a de desemprego (25%), a de actividades indiscretas (28,7%) e a de outros casos, incluindo reformado, dona de casa e outros indivíduos sem emprego (8,4%), a soma será de 62,1%, percentagem que já se aproxima da do desemprego apurada pela Consulta Externa em 2002. Quanto à percentagem de emprego, se se somar a de emprego a tempo inteiro (19,4%) e o de emprego a tempo parcial (18,5%), a soma será de 37,9%, percentagem que já é semelhante à de emprego estimada pela Consulta Externa (30%).

 

No seguinte mapa apresentam-se os dados sobre a situação profissional dos inquiridos, incluindo os 108 toxicodependentes em tratamento e os 106 consumidores de drogas inquiridos na rua: